Trabalho Híbrido: Liberdade ou Mais Controle?
- Sergio Duarte

- 20 de jul.
- 2 min de leitura
Um olhar humanista sobre o equilíbrio entre autonomia e pressão no novo modelo profissional

O modelo de trabalho híbrido, que mistura dias presenciais e remotos, surgiu como resposta a demandas por flexibilidade e adaptação. À primeira vista, ele representa uma promessa de liberdade: a possibilidade de escolher onde e quando trabalhar, de equilibrar a vida pessoal e profissional, de fugir do trânsito e de ambientes muitas vezes desgastantes. Contudo, por trás dessa promessa, também podem se esconder novas formas de controle e cobrança, muitas vezes mais sutis, mas não menos intensas.
Na perspectiva da Psicologia Humanista, essa dualidade nos convida a refletir sobre o que significa, de fato, ser livre no trabalho. A liberdade não é simplesmente a ausência de regras ou a flexibilidade de horário; é, antes, a possibilidade de ser autêntico, exercer autonomia real e cuidar do próprio bem-estar emocional enquanto desempenhamos nossas funções.
O trabalho híbrido pode ser um espaço de maior autonomia — onde o indivíduo reconstrói sua rotina, organiza seu tempo segundo suas necessidades e respeita seus ritmos internos. Essa possibilidade, se acolhida com consciência, pode favorecer o crescimento pessoal, a criatividade e o sentimento de pertencimento, pois permite que o trabalho se harmonize com o estilo de vida e os valores do indivíduo.
Por outro lado, a ausência física constante da equipe pode aumentar o sentimento de isolamento, e a flexibilidade, quando mal gerida, pode se transformar em pressão invisível para estar sempre disponível. O que antes eram “horas de expediente” delimitadas pelo espaço e tempo passam a se expandir indefinidamente, criando fronteiras invisíveis que consomem energia e comprometem o equilíbrio emocional.
Além disso, o trabalho híbrido pode reforçar a vigilância tecnológica — monitoramentos, reuniões virtuais, respostas rápidas — que sutilmente alimentam um ambiente de controle e cobrança constante. Para o ser humano, essa sensação pode gerar ansiedade, insegurança e uma dificuldade crescente em manter a autenticidade e a saúde emocional no ambiente profissional.
A Psicologia Humanista ressalta que, para que a liberdade seja plena, é preciso que haja reconhecimento da subjetividade do trabalhador, espaço para a expressão genuína e o respeito aos seus limites. Liberdade verdadeira implica em poder dizer “não”, em criar rotinas que favoreçam o bem-estar, em cultivar relações de confiança e empatia com lideranças e colegas.
Esse modelo híbrido pode ser, então, um convite ao autoconhecimento e à auto regulação. Ao mesmo tempo em que oferece flexibilidade, exige do indivíduo o desenvolvimento da capacidade de estabelecer fronteiras claras entre trabalho e vida pessoal, de cuidar do próprio ritmo e de manter a conexão emocional consigo e com os outros.
Como psicólogo humanista, vejo no trabalho híbrido uma oportunidade para ressignificar a relação com o trabalho — para que ele não seja apenas fonte de rendimento ou obrigação, mas um espaço onde a pessoa possa exercer sua liberdade de maneira íntegra e saudável.
A grande questão que fica é: estamos usando o modelo híbrido para ampliar nossa liberdade interna e nosso bem-estar, ou apenas para estender a lógica do controle e da produtividade sem limites? Responder a essa pergunta é um convite para olhar para dentro, acolher nossas necessidades e exigir, junto às organizações, ambientes que respeitem a dignidade e a humanidade do trabalhador.



